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Mostrando postagens de abril, 2025

Violino

Comprou o violino e tirou-lhe as cordas.

Memórias de pássaros

A memória lhe era ofuscada pelos pássaros.

A vela

A vela se apaga, solitária. Já se foram.

Perfume dos lírios

O perfume dos lírios me causam enjôo.

Chá

Ofereço-te chá, mesmo que não possa aceitar.

Azul e cinza

A casa era azul. Os moradores, cinzas.

Conhecer o amor

Amei-te até te conhecer.

Folha-pedra

A folha caiu, pesada como uma pedra.

Os presentes do meu filho

O jeito de presentear do meu filho é muito peculiar. Quando criança, ele quis imitar o cachorrinho que deixava pelos nas nossas roupas e me entregou um pote cheio de seus próprios pelos. Quando seus dentes de leite começaram a cair, ele me entregava um a um. Uma vez, ele caiu da bicicleta, perdeu uns dentes — guardou todos e me deu. Tenho medo de recusar os presentes até hoje, agora que ele já é adulto. Da última vez, ele apareceu segurando uma torta caseira entre os braços enfaixados. Tinha as mãos amputadas.

Natureza predadora

Nunca gostei quando meu gato trazia bichos mortos para casa, mas sua natureza predadora era inevitável. O verdadeiro problema surgiu quando meu filho de cinco anos resolveu imitá-lo e trouxe o felino todo ensanguentado nos braços com um sorriso orgulhoso no rosto.

Três badaladas

Foi preciso exatas três badaladas do sino para eu lembrar que não havia missa de madrugada, muito menos uma igreja na vizinhança.

Medo de morrer

Sempre tive pavor de morrer de alguma forma esdrúxula. Agora, assistir uma morte tosca é outra história. É divertido testar os limites de quão fácil é matar alguém — até o momento o recorde é uma agulha.

Sono leve

Meu sono sempre foi leve. Quando dormia durante o dia, podia ouvir as pessoas claramente, apenas não conseguia respondê-las. Os sonhos foram ficando cada vez mais longos. Hoje, ouço a vida das pessoas ao longe, perguntando-me se algum dia serei capaz de acordar novamente depois de tantos anos.

O vizinho estranho

Meu vizinho andava com comportamentos muito estranhos. Ele começou a sair de casa toda madrugada, sempre no mesmo horário. A princípio, achei que estivesse apenas traindo a esposa. No entanto, quando comecei a ouvir vozes vindo de seu apartamento, resolvi investigar. Elas pareciam suplicar num idioma que nunca ouvi antes, mas sabia ser um pedido de socorro. Levantei assim que ouvi o destravar da tranca e espiei pela fresta da minha porta. Aquela criatura definitivamente não era meu vizinho ou qualquer criatura humana.

Sofá

Meu sofá novo é desconfortável. Não posso pedir reembolso porque paguei um preço promocional. Eu estava confiante na compra, afinal, só fechei o negócio depois de me certificar das medidas estarem certas — tinha o tamanho exato necessário. Não entendo o que deu errado, tomei os mesmos cuidados da última vez. Eu também havia escondido um corpo no último sofá, e ele continuava excelente.

Coração

O que os olhos não vêem o coração não sente. Por esta razão, certifiquei-me de vendar meticulosamente meu filho antes de fincar-lhe a faca no peito.

Não me lembro

Não me lembro do meu nome, apenas sei que sempre estive aqui — no escuro e só. Se ouço uma voz, ela não é minha — não reconheço mais meu próprio timbre. Se vejo uma luz, não é de esperança — apenas uma chama fraca prestes a se apagar e levar consigo os resquícios de calor desse lugar. Desde que te conheci, encontrei-me rastejando aos seus pés. As pernas sem movimento, os braços sem forças. Esqueci quem sou e como é a liberdade fora deste porão.