À espera
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Todo dia, a senhora assistia religiosamente às pessoas caminharem. Passava as manhãs, as tardes e as noites sentada no mesmo banco. Só não aparecia quando chovia. Nos últimos tempos, os altos prédios ao redor da praça não permitiam a iluminação do sol alcançá-la diretamente como antes. Era um lugar bem frequentado, o movimento era constante. Todos iam lá para fugir das obrigações do dia a dia. Algumas pessoas corriam, outras passeavam com seus cachorros e algumas levavam suas crianças ao parquinho. A senhora reconhecia cada rosto ali de tanto vê-los. Arriscaria dizer que até mesmo sabia o nome de metade delas. Não muito longe dali, no parquinho infantil de brinquedos velhos reformados de madeira, um garoto chupava um picolé roxo de uva. Ao seu lado, uma escultura elaborada esperava para ser finalizada em meio a baldes e pás. As árvores baixas balançavam suas folhas na mesma direção do corredor de vento formado. A embalagem de picolé já terminado voou da mão do garotinho. Ele correu atrás do lixo com suas perninhas. Sua bermuda cobria os joelhos, fazendo-as parecerem ainda mais curtas. A touca do moletom insistia em cobrir-lhe o rosto. Determinado, alcançou o plástico do chão e jogou-o no lixo do lado do banco. Antes de voltar ao seu engenhoso castelinho de areia, a criança parou por uns instantes, encarando a senhora no banco sem restrição. A mulher de idade avançada deveria estar na terceira idade. Tinha os cabelos cinzas amarrados num coque simples, porém bem ajeitado. Vestia uma calça de malha acinzentada e um suéter creme. Ela abriu um sorriso para o menino assim que o percebeu ali.
— Por que você vem aqui todo dia? — questionou-a sem rodeios.
Era novo, mas nem por isso deixava de ser observador. Era engraçado como tinha uma expressão séria, como se estivesse ali a trabalho. As roupas coloridas contrastavam com sua feição.
— Eu estou esperando alguém. — Juntou as mãos e desceu o olhar aos polegares brincando um com o outro. Parecia segurar o choro.
— Meu pai também. — Apesar da resposta inesperada, a senhora apreciava a sinceridade ingênua na criança.
— Sério? — Viu a criança concordar com a cabeça. — Quem ele está esperando? — Divertia-se com a interação.
— A mãe dele! Eu não conheci a vovó, mas ele sempre me fala que procurava ela todo dia. Ele não procura mais porque não tem tempo, mas fala que ainda sonha que ela vai voltar algum dia.
— E onde ela foi? — incentivou a criança a continuar a história, todavia foram interrompidos.
O pai do garoto se aproximou, agachando à sua frente. Disse afoito:
— Não foge assim do nada! Você me deu um susto. Por um instante achei que tinha te perdido.
— Desculpa. — Tinha os olhinhos brilhando em arrependimento. Não queria preocupar o pai. — Pai?
— Que foi? — O mais velho procurava por qualquer sinal de machucado, entretanto não encontrou.
— Onde a vovó foi? — Surpreendeu o adulto com sua pergunta repentina.
— Ninguém sabe, meu filho — sua voz era saudosa e triste.
— Ninguém sabe! — O garoto voltou-se para a senhora respondendo à pergunta que ainda pairava no ar. Ela soltou rio de sua reação, não percebia que o assunto era delicado para o pai, contudo não fazia por mal.
O homem virou em direção ao banco e o analisou. O rosto da mulher passou de uma expressão neutra para um espantada, que durou poucos segundos, e logo foi substituída por carinho. O rosto magro, os olhos fundos e escuros e a sobrancelha arqueada eram-lhe todos inesquecíveis.
— Por que você está falando sozinho? — a voz grave foi proferida com suavidade e preocupação para com o filho. — Você está bem? Vamos, está ficando tarde. Vamos para casa.
Puxou a criança para longe enquanto a senhora os via afastarem atônita.
***
Na manhã seguinte, quando o garoto voltou para continuar a conversa na tarde anterior, a senhora parecia o aguardar. Sorriu com os olhos marejados.
— Hoje é meu último dia aqui — anunciou. — Eu finalmente encontrei quem eu queria.
A criança subiu no banco, sentando-se ao seu lado. Queria ouvir sua história.
— Posso te contar um segredo? — perguntou em tom brincalhão à criança, que arregalou os olhinhos e concordou. — Eu fugi de casa, mas isso faz anos. Eu não tinha planos, não sabia pra onde ir, então vim pra essa praça — desabafou pela primeira vez sobre o ocorrido. — A verdade é que eu só queria que viessem atrás de mim, eu só queria saber que me procuraram. E, agora que eu tenho certeza que sim, eu posso descansar em paz.
— Então eu nunca mais vou te ver? — Conversaram apenas duas vezes e, mesmo assim, estava preocupado com algo tão estúpido, pensou a mulher em resposta.
— Infelizmente não, querido. — Confortou-lhe com um sorriso. Ao longe, avistou o pai lhe procurando mais uma vez. — Volte lá com seu pai. Você não quer preocupar ele, não é mesmo?
A criança negou e então desceu do banco e correu em direção indicada de encontro ao pai, que suspirou aliviado, bronqueando-lhe para não fugir novamente. Quando olhei para o banco mais uma vez, a senhora não estava mais lá.
***
No dia seguinte, quando o menino voltou à praça junto do pai, procurou pela senhora, mesmo sabendo que ela não estaria mais lá. À medida que os dias passavam, ele foi se esquecendo do que procurava até não se lembrar mais.
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