A Uva


         Num dia qualquer, ou melhor, num dia não muito agradável, eu me encontrava sentado no chão do metrô, relativamente vazio. Os bancos estavam todos ocupados e havia apenas meia dúzia de pessoas em pé. Sempre pego o metrô preferencial, por questão de segurança e conforto, já que costumo transitar sozinho. Enquanto pensava no horário apertado em que estava, atrasado para a aula da faculdade, observei uma uva. Uma uva solitária, solta no chão do metrô. A cada vez que o metrô acelerava ou freiava, a uva rolava por toda a cabine, em uma direção ou outra, sem ser percebida ou, simplesmente, sendo ignorada, a última opção sendo a mais provável. Cada pessoa naquele vagão tinha mais com o que se preocupar. E lá ia a uvinha. Ia de um lado pro outro, perdida, praticamente sem ser notada. Tentei algumas vezes desviar minha atenção, contudo, meu foco estava todo naquela uva. Insignificante e inútil. Perdeu sua função no momento em que caiu, e rolava desde então. Alguns passageiros olhavam para a tela do celular fixamente, outros mantinham os olhos fechados. E a uva, alheia a tudo e todos. Talvez ela estivesse rolando perdida a manhã toda. Apenas se deixava rolar. Acabei me apegando à frutinha. Toda vez que passava, eu deixava escapar um riso no canto da boca. Estação por estação, eu me perguntava se alguém iria pará-la, torcendo para que ninguém interrompesse seu trajeto. Quando finalmente a notaram, a mulher a jogou no lixo. Fiquei decepcionada por um breve momento, mas logo me conformei que seu fim era justo. Voltei a mim quando percebi o fim da linha, era minha estação. Com quantas uvas será que cruzei até chegar no meu destino?


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