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Mostrando postagens de 2019

A Uva

❧          Num dia qualquer, ou melhor, num dia não muito agradável, eu me encontrava sentado no chão do metrô, relativamente vazio. Os bancos estavam todos ocupados e havia apenas meia dúzia de pessoas em pé. Sempre pego o metrô preferencial, por questão de segurança e conforto, já que costumo transitar sozinho. Enquanto pensava no horário apertado em que estava, atrasado para a aula da faculdade, observei uma uva. Uma uva solitária, solta no chão do metrô. A cada vez que o metrô acelerava ou freiava, a uva rolava por toda a cabine, em uma direção ou outra, sem ser percebida ou, simplesmente, sendo ignorada, a última opção sendo a mais provável. Cada pessoa naquele vagão tinha mais com o que se preocupar. E lá ia a uvinha. Ia de um lado pro outro, perdida, praticamente sem ser notada. Tentei algumas vezes desviar minha atenção, contudo, meu foco estava todo naquela uva. Insignificante e inútil. Perdeu sua função no momento em que caiu, e rolava desde então. A...

Raimundinho

❧         A história que eu vou contar agora é do meu irmãozinho mais novo, é da época que vocês não tinham nem nascido ainda. Tenho boa lembrança desses dias. O nome dele era Raimundo. O garoto miúdo era muito querido da família. Desde que o pequeno nasceu, recebeu uma atenção especial, sabe? Eles diziam que ele tinha um coração fraco, mas não sei contar exatamente o que era, ninguém sabia na verdade, nem mesmo os médico da família. A gente só sabia que ele não ia viver muito tempo. E a vida dele não podia ser agitada. Ele sempre frequentava um monte médicos e vivia cercado de cuidado por todo mundo. Não corre, Raimundinho! A mamãe falava. Você não pode jogar com as outras crianças! Mandava o irmão mais velho. Dava uma dor no coração... mas precisava. De toda a família, Raimundinho gostava mesmo era do pai. Era um apego especial, ele era o favorito do pai também. Onde o pai ía, Raimundinho ía atrás todo feliz. Nem por isso a gente tinha inveja dele não, a família...

Ana e O Mar

Ana, que vias no horizonte? Que eram esses versos que entoavas, Em que, na melodia, as estrelas se deleitavam? Estas gotas salgadas em tua face Prateadas, eram tuas ou do mar? Teus cabelos dançavam aos ventos. As ondas abraçavam teus pés. A lua sorria em teus olhos marejados. Ana, que vias no horizonte? Que eram essas histórias que contavas Em que, na trama, as gaivotas se envolviam? Este brilho fosco em teus olhos Mórbido, era teu ou do luar? Tuas mãos tremiam com os respingos. A espuma ecoava em seus ouvidos. As nuvens refletiam sombra em seu coração. A maré carregou tua tristeza, Lavou teu pesar e afogou teu sofrer. Ana, por que sofrestes sozinha? Ana, por que te entregastes ao mar? ❧ Diga-se de passagem, a banda Teatro Mágico tem uma música com este mesmo nome, vale a pena conferir! Disponível na Antologia na Amazon: Ascendente: Antologia da Semana da Visibilidade Ace  

Pessoas, Histórias

Imagem
❧           Vivo da beleza do mundo. Obtenho meu ganha-pão capturando os detalhes deixados passar em branco no cotidiano. Uma flor, um pássaro, uma cena, seja o que for. Sou levado a ver o mundo com outros olhos.          Admito ter-me permitido ser cativado por algo ordinário, mas de incrível inspiração para mim. A minha fotografia em preto e branco de um simples banco. Um simples e rústico banco. O que me fascina é sua história. Quantas pessoas já passaram suas tardes sentadas naquele banco. Crianças, casais, estudantes, todo tipo de pessoa. Um banco antigo e com a tinta desgastada pelo tempo. Passei a maior parte da minha vida cruzando a sua frente. Vi todo tipo de pessoa vivendo os mais variados momentos de suas vidas.          A moça morena lera sua carta de aceitação na universidade de seus sonhos sentada naquele banco. A viúvia do soldado levava seu filho, agora já crescido, para brincar. O jovem ru...

Parecia

Parecia divertido. Parecia a melhor opção. Agora nos faz desmoronar. Cada sorriso quebrado, Cada riso atuado. Pensávamos que estaríamos juntos, Mas estamos juntos separados, Separados juntos. É uma solidão profunda incapaz de ser quebrada. Tentando derrubar os empecilhos, eles parecem aumentar. E este egoísmo apenas cresce. O que parecia uma boa ideia virou apenas interesse. O suporte dado agora são essas futilidades exigidas. Não queremos saber o que é melhor para o outro, Queremos apenas não nos afogar. Porque alguém que se debate neste imenso mar de aflições, Não pode se apoiar em alguém na mesma situação. Fomos bobos em pensar que poderíamos escapar. Fomos tolos. Fomos estúpidos. Estúpidas tentativas. Tentativas de achar algum significado para tudo isso. Fingimos estar bem sabendo a verdade. A mentira se torna verdade, A verdade se torna mentira, A distorção toma conta de nossas vidas. Como dizer o que é certo e o que é errado? O certo nos machuca...

Razão

E é quando estampo este sorriso em meu rosto Que percebo que já não sei seu verdadeiro significado. Agora me serve de abrigo. Escondo-me do mundo lá fora. Escondo-me tentando não me machucar de novo. E esse frio de que fugia Agora se encontra dentro de mim. Sou uma alma vazia. Essas lágrimas que carrego escondidas me machucam ainda mais. E cada vez que digo que estou bem Me pergunto se algum dia vou parar de mentir. Tento ser eu mesma, Mas não sei quem sou. São tantas as máscaras que não sei identificar a mim própria. Essas piadas? Essas risadas? Essas palavras? São todas mácaras nas quais me escondo. Minhas mentiras. Perdi-me, E já não posso ser encontrada. Não há mais o que ser encontrado. Eu já não existo, E hoje vivo esta peça. Sou apenas uma personagem fundamentada em mentiras Que foram contadas ao longo de minha vida. Esta eterna peça.

Loucura

Posso parecer louca aos olhos dos que me veem Quando rio em momentos de tristeza e pranto. Um sorriso não significa felicidade, Assim como o choro não significa fraqueza. Dizer não significa sentir. Ouvir não significa acreditar. Posso te contar as mais improváveis verdades. Posso te contar as mais enganosas mentiras. Escolherás em que acreditar. Posso te manipular, Posso te forçar, Entretanto, nunca conseguirei mudar tua forma de enxergar o mundo. Assim como não tens o poder de o fazer a mim. Rirei, E rirei o quanto puder, enquanto puder. Pois afinal, Quando a vida joga conosco não temos vontade alguma sobre ela. E quando a morte convida-nos para dançar, Somente nos resta acompanhá-la nesta dança. E em meio a passos cegos, Em meio ao silêncio, Quem se atreve a confrontá-la? Tolo aquele quem o fizer. Não me impeças de viver, Não me impeças de morrer. Não me impeças de rir. Não me impeças de chorar. E não te empedirei. Vidas vêm, Vidas vão. Que pod...

A Carta

❧          Olhei para o relógio no alto da parede estampada. O lugar dispunha de uma dezena de mesas no estilo rústico amadeirado. Um lustre elegante de cristal pendia do alto teto abobadado. Podia-se observar todo o movimento do recinto daquele ponto. O ar pitoresco era encantador. Fui acordado do meu devaneio:         - Desculpe-me, estou atrasado. - puxou a cadeira à minha frente.         - De modo algum! Passaram-se apenas 5 minutos.         - Então, se me dá licença... - sentou-se.         Olhou ao redor por alguns instantes. Seus olhos nostálgicos e escuros brilhavam ao correr o ambiente.          - Faz anos que não saímos para tomar um café. - comentou.          - De fato. Dezesseis para ser mais exato.          Fixou o olhar em mim. Sorriu com satisfação.        ...